Ficaram parados ali, olhando um para o outro, em silêncio. Ela gosta de observar o silêncio porque ele não reclama. Deixa-se admirar.
Cada detalhe que enxergava parecia lhe preencher os vazios que acumulara ao longo dos dias. Tudo novo e sublime, até as cores se reinventavam.
De repente ele parou de sorrir e ficou muito sério. Observava os traços do rosto dela com tanta atenção que a fez sentir-se como a modelo que posa para o artista. Permaneceu favorável — não se movia —, assim ficava mais fácil capturar sua essência. Assim ficava mais fácil capturar a essência dele.
- Lembro de você — disse ele e a voz soou macia, doce, como tudo —, sei que gostas de cortinas fechadas e janelas abertas. Tento ler o que escreves no vidro da janela nos dias frios. — E o sorriso tornou a aparecer.
- São só bobagens, coisas que faço para passar o tempo e organizar os pensamentos. — Quis dizer que também lembrava dele, que adorava quando reproduzia os sons do mundo com sua gaita de boca, não disse. — Mas, então, do que ria quando o encontrei?
- Ria de mim e para mim. Veja você mesma. — Puxou a garota para mais perto fazendo-a ficar de frente para o espelho. Então, lá estava ela, no lado virtual. O nariz no lugar dos olhos, os olhos no lugar do nariz, as mãos invertidas, os pés também. E o pior: estava careca.
- Não olhe para mim — disse ela entre risadas —, estou horrível.
- Está mesmo! — Caçoou ele misturando o próprio riso ao riso dela, sabendo em seu intimo que de horrível ela não tinha absolutamente nada. — Vem comigo?
- Para aonde?
- Para o outro lado. — Respondeu apontando para a extremidade esquerda.
- Por quê?
- Quero lhe mostrar uma coisa. — Ela pareceu confusa, mas ele insistiu. — Você vem?
- Sim... vou.
Ela o acompanhou, o fundo da loja forrado de espelhos bizarros até a outra extremidade, o garoto decidido a lhe puxar pela mão, ela decidida a não soltá-la. Até que chegaram
- Olhe nesse espelho — pediu, e ela olhou. Lá estava ela outra vez, no lado virtual. Mas, não era como antes, agora estava sorrindo, os cabelos ruivos trançavam-se sozinhos em pequenas mechas, quando pararam haviam formado quatro, duas em cada lado. Os sapatos barulhentos foram substituídos por um tênis amarelo-bebê. O vestido encurtava um palmo e perdia as mangas, mas não a estampa. O cenário no lado virtual era real. É verdade, nesse lugar tudo se confunde.
O garoto da casa amarela aproximou-se e apareceu no espelho, os cabelos foram soprados com força por um vento abstrato, desorganizaram-se emprestando a ele um ar de rebeldia, os cadarços do tênis dele amarraram-se aos dela, o moletom azul escuro tingiu-se de amarelo-girassol. Inesperadamente, palavras escreveram-se no espelho:
que seja doce, diziam elas.
Monique.
* trecho de um talvez-futuro-livro. :))