L.E.R (Lesão por Esforço Repetitivo)

por Monique às 9:49 PM

Eu passei a noite inteira rolando na cama, olhando para o teto enfeitado de estrelinhas falsas e fluorescentes - contando-as. - Pensando em banalidades, pensando em parar de cometê-las, pensando em não falar mais sobre elas – é à noite, antes de dormir, que eu penso em tudo.
Lembrei das ovelhinhas e parei de contar as estrelas. Uma por uma elas saltavam cercas de madeira branca, e iam crescendo com o tempo, até completarem dois mil anos e ficarem grandes e pesados demais para o meu pensamento - era chegada a hora de esquecê-las.
Mas, ovelhinhas em ordem crescente me lembram infância - época em que eu calçava sapatos número quarenta e dois e encontrava felicidade escondida embaixo das palmilhas.
Sapatos e palmilhas me levam até à sapataria que fica na esquina da rua onde eu morava. Ela tem portões e uma garagem, uma porta de madeira, um chão de madeira, paredes de madeira, e atrás do balcão – de madeira - o sapateiro mais simpático e sorridente que eu já conheci exerce seu oficio. Ali estão à venda iridescentes cadarços de diversos tamanhos, suspensos por suportes que cheiram a cola e serragem – aliás, tudo ali tem esse cheiro.
Serragem me traz saudades e lembranças de um avô que não conheci - ele fabricava móveis – ele ficava zangado com buracos no queijo, acordava os filhos aos gritos e tinha passos pesados que ecoavam por toda a casa – mas ainda assim alcançava o mais alto patamar de carinhoso e brincalhão - fazia serenatas para minha avó e prendia dedos infantis em buracos de alicates.
Alicates me lembram martelos que eu usava para martelar pregos em um toco de árvore no quintal de casa. Casa me lembra abrigo, que me lembra conforto, que me lembra quarto, que me lembra cama, que me lembra sono.
E assim é feita a descoberta: não posso parar de banalizar, é um ciclo vicioso, e a cada novo recomeço mais banais as banalidades se tornam para você.

Monique.

4 comentários on "L.E.R (Lesão por Esforço Repetitivo)"

thiago toscani on 10 de fevereiro de 2009 às 23:34 disse...

Adorei seu texto e a forma como você escreve. É sincera. Parabéns pelo blog e continue contando mais coisas pra gente!

E apareça lá no meu tb!

Beijo grande,

Thiago Toscani
www.ttoscani.blogspot.com

Caio Rudá de Oliveira on 12 de fevereiro de 2009 às 14:14 disse...

Texto bonito, uma prosa poética, talvez.

Deu pra perceber que você realmente gosta do Surrealismo e tem uma certa influência do realismo mágico.

Obrigado pela visita no blogue. Sinta-se convidada a aparecer mais :D

@HUGOCEREGATO on 14 de fevereiro de 2009 às 14:37 disse...

Muito bacana o texto, diria até que muito humano... Diria atéé que sou banalizador na classe de aula ou quando conversam comigo... Acho que é comum do ser humano... Mas o que mais me encantou foi você se empenhar em retratar essa coisa tão simples do dia-a-dia num texto legível. Parabéns, moça!

Liipee on 20 de fevereiro de 2009 às 18:15 disse...

Nussa..
falta divulgar seu blog, viu?
seus textos são ótimos..

"antes de dormir, que eu penso em tudo. "
isso acontece comigo..
quase todas as noites..
penso em ser melhor, penso em estudar cada vez mais, penso em namorar, penso em parar de falar e fazer mais..
mas quando eu adormeço, lembro-me que isso não passa de planos..:\


nossa, o cheiro de serragem, me lembra o interior..
de onde minha mãe veio..
ohh mãe , porque todo mundo ao lembrar de uma mãe fica com o coração apertado?

bom, bjocas, te cuida
:*

 

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