Entre o Caramelo e o Sal

por Monique Burigo Marin às 10:50 PM 7 comentários
                                                                                           Ilustração: Wang Chung Ru

Há muito céu nesse chão que eu piso. Leveza demais nesse caminhar. Sei que a qualquer momento um buraco abrirá sobre os meus pés.
Uma voz diz: Isabel, não tenha medo. Mas eu tenho medo, Dona Voz. Tudo o que tenho é um paraquedas de sacola plástica. E a voz insiste: Prove que ainda sabe voar! Mesmo que artificialmente. Mesmo que isso te quebre os dentes. Tudo tem um preço. Até a doçura que te faz sorrir é industrializada e falsa.
Todos os dias, enquanto penso no que fazer para o almoço, escuto a voz cantarolar:
Seus dias na cozinha são o seu empreendimento,
Creme do céu dura só por um momento,
Bolinho de chuva ela não erra, não.
Essa menina está sempre na contramão...
Confunde tempestade com as chuvas de verão!
Só pode estar sob algum encantamento,
Sua cabeça anda igual pastel de vento.
Isabel, quando crescer, descobrirá o seu talento
Nasceu para ser a garota do tempo!
Tento fazer com a que a voz desapareça. Já quebrei os dentes e a cara. Quero ser cineasta. E entre o caramelo e o sal, eu estou sentada, comendo pipocas de uma em uma. É que gosto dos prazeres lentos, degusto aos poucos, torcendo para que nunca acabe.


Monique Burigo Marin

Antes que Derreta.

por Monique Burigo Marin às 3:47 PM 8 comentários

Não quero ser uma das flores que se abrem no teu jardim em dias de primavera; quero surpreender em uma manhã fria de inverno. Sei que nessas manhãs minha existência trará um sorriso ao teu rosto, como se caíssem flocos de neve sabor sorvete do céu.
Nesse tempo frio quero ser quem aquece os teus dedos e o teu coração.

* Para fugir desse calor, vale tudo.

Monique Burigo Marin


Pedra, Papel e Tesoura.

por Monique Burigo Marin às 4:48 AM 8 comentários
Imagem: Elsa Mora


Sei que você não sabe e nem quer saber quantas vezes desejei encontrar-te no meio das suas reflexões. Eu ficaria quieta, invisível, observando de longe para não atrapalhar. Prometo.
Eu queria tanto conhecer o seu sorriso e presenciar os seus momentos de inspiração e abrir as janelas da casa para libertar a fumaça dos cigarros que eu jogaria fora. Eu queria até aturar a sua fúria e aprender a tolerar os seus vícios que um dia vão acabar matando você.
Eu queria, mais do que tudo, poder salvá-lo. Mas não tenho forças nem para fazer curativos nos joelhos que eu ralei. Eu não vou me curar. Nem você. A gente vai acabar morrendo de overdose e ninguém nunca mais duvidará da nossa química.
Eu tenho medo das suas histórias e frases e palavras, de cada sílaba. Veio para atormentar-me a vida, preenchendo a minha insônia com sua presença. Talvez algum dia, alguém encontre os nossos manuscritos espalhados pela casa abandonada e queira nos ressuscitar.
Eu preciso, urgentemente, recuperar a segurança dos meus vazios e manhãs mal humoradas. Trazer de volta a sanidade dos meus sentimentos.
É tudo em vão, meu amor. Mas no vão das coisas cotidianas eu sei que nos preencheríamos. E que a presença do outro seria a certeza de que ainda há algo pra viver.
Minhas mentiras ruins não toleram a verdade: sou objeto do seu verbo, eu nunca soube conjugar. A sua presença é o que me falta agora. É o que me falta sempre. E se o seu sorriso parar de sorrir pra mim, meu bem, eu nem sei.


... Sei que esse amor de papel não durará. Somos como tesouras que tiraram férias.

Monique Burigo Marin

Pixels

por Monique Burigo Marin às 3:43 AM 7 comentários
                                                                 IlustraçãoVanesa Aguilar
Você é tão calada, Karen. Isso me enche de pensamentos malucos que me fazem gostar ainda mais de você.
Eu também gosto do som das ondas quebrando no mar. Faz com que eu pense na insignificância de uma lágrima. Sei que para você as coisas desse mundo não fazem sentido, mas quando vejo o mar, existe algo que diz – e tem a voz do Renato Russo – que a vida continua e se entregar é uma bobagem.
Você é tão cheia de pixels, Karen. Os outros mortais acham estranho eu achar isso atraente. Mas não há alguém de carne e osso mais bonita na face da terra. Eles não vêm isso: sua beleza é tão maior do que seus pixels!

Monique Burigo Marin

Soma

por Monique Burigo Marin às 10:57 PM 7 comentários
Ilustração: Odessa Sawyer
A insônia é concreto tapando o sol que insiste em nascer todas as manhãs. Poupa-me do sofrimento que é adormecer em mãos inimigas. Mas ela é vencida pela fadiga das tardes cheias.  É má perdedora e volta depois que o sol se põe.
A insônia é fria e inaconchegável. Digna de palavras novas que nunca deveriam nascer. É posição impossível de encontrar. Sensação de que se está envelhecendo rápido demais.
A insônia é cheia de silêncios criativos. Inventa monstros nos objetos do quarto. Apresenta amores passados que eu nunca tive. É uma ilusão difícil de abandonar. Faz sangrar os sentimentos bonitos.
A insônia é companhia da solidão, e as duas, sou eu.

Monique Burigo Marin
 

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