Há muito céu nesse chão que eu piso. Leveza demais nesse caminhar. Sei que a qualquer momento um buraco abrirá sobre os meus pés.
Uma voz diz: Isabel, não tenha medo. Mas eu tenho medo, Dona Voz. Tudo o que tenho é um paraquedas de sacola plástica. E a voz insiste: Prove que ainda sabe voar! Mesmo que artificialmente. Mesmo que isso te quebre os dentes. Tudo tem um preço. Até a doçura que te faz sorrir é industrializada e falsa.
Todos os dias, enquanto penso no que fazer para o almoço, escuto a voz cantarolar:
Seus dias na cozinha são o seu empreendimento,
Creme do céu dura só por um momento,
Bolinho de chuva ela não erra, não.
Essa menina está sempre na contramão...
Confunde tempestade com as chuvas de verão!
Só pode estar sob algum encantamento,
Sua cabeça anda igual pastel de vento.
Isabel, quando crescer, descobrirá o seu talento
Nasceu para ser a garota do tempo!
Tento fazer com a que a voz desapareça. Já quebrei os dentes e a cara. Quero ser cineasta. E entre o caramelo e o sal, eu estou sentada, comendo pipocas de uma em uma. É que gosto dos prazeres lentos, degusto aos poucos, torcendo para que nunca acabe.
Monique Burigo Marin