Dueto

por Monique Burigo Marin às 3:38 PM 4 comentários
Todos os adultos estavam perfeitamente alinhados em suas poltronas, mas um barulho vindo da primeira fileira fazia rasgos no sossego da plateia. Lá estava a garotinha mais feliz do dia a cortar o silencio com risinhos ansiosos. Nunca entenderam, nunca entenderiam: rir era um efeito espontâneo de seu nervosismo.
Em alguns minutos, aquele cara sério e elegante entraria no palco segurando a cartola preta nas mãos. Então, após sentar-se no banco de madeira, tiraria o smoking que faria uma espécie de cortina retangular em torno do banco. Repousaria a cartola na cabeça do piano e começaria a tocar. Para ela, esse era o ritual mais bonito do universo.
Saber que isso aconteceria fazia seus pés balançarem freneticamente. Para frente. Para trás. A pipoca que comprou estava quase no fim: logo começaria a comer os próprios dedos.
Ele tinha um estilo peculiar, um quê de fragilidade que não transparecia na força de seus sentimentos. Nos olhos escuros, um brilho secreto. Segredo dele, segredo dela. Havia magia movimentando a engrenagem, algo de sobrenatural no som que entrava pelos ouvidos e se alojava em seu coração.

* Para ela, ele era uma orquestra inteira. Para ele, ela era a regente.


Monique Burigo Marin

Já que sou, o jeito é ser.

por Monique Burigo Marin às 12:03 AM 8 comentários

Ah, Clarice. Se eu tivesse essas cores suas. Esses seus jeitos e manhas e defeitos. Eu seria talvez plena em minha melancolia partida.
Ah, Clarice. Se eu pudesse descrever desse seu jeito ímpar e verdadeiro os acontecimentos dos mundos. Eu seria talvez, mesmo que infimamente, compreendida.
Clarice, Clarice. Se eu tivesse essas suas dores e essas suas lembranças agridoces. Eu seria talvez, menos contida, menos muda, menos apagada e sem sal.
Você inunda meus olhos de água com uma única vogal, Clarice. Como pode alguém tão profunda estar sempre na superfície, transbordando nos olhos, meu deus!
E eu estou tão longe de você... eu nem me compreendo.

"Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas... continuarei a escrever."

* O título e a frase final foram respeitosamente emprestados do livro A Hora da Estrela de Clarice Lispector.

Monique Burigo Marin

.

por Monique Burigo Marin às 1:34 PM 9 comentários

                               Só faço essa dor doer ainda mais, tento matá-la, mas ela não morre.

                                                                                                                      Monique Burigo Marin

Prisão cadavérica

por Monique Burigo Marin às 1:44 AM 4 comentários
Você era tão amável, Miguel. Enchia meus sonhos de efeitos especiais. Orientava os meus passos no mundo real. Pena que se apaixonou por mim.
Você surgiu na tempestade de areia e folhas. Você era ela. Sempre mantinha distância. Enxergava nos meus olhos tudo o que eu tentava, urgentemente, esconder. Não conseguia.
Não sei como pôde continuar me amando mesmo depois de saber de tudo. De cada pensamento moribundo e sujo que eu trancafiei.

Monique Burigo Marin

Desnaturado

por Monique Burigo Marin às 6:53 PM 6 comentários
Você desnaturou. Grudou no fundo da panela. Evaporou as suas propriedades mais importantes. E esse processo, meu amor, é irreversível.

* Eu sabia, o calor nunca faz bem.

Monique Burigo Marin
 

Template e imagens do layout por Wiliam Jose Koester.