Imagem: Monique Burigo Marin e Wiliam Koester
Ainda me lembro das estratégias da infância. Ao deitar, levava para a cama minha redoma invisível e impenetrável. Protegida por ela, eu deixava as pálpebras esconderem o mundo exterior. Ora, já tinha vivido nele o dia todo, queria agora aproveitar as delícias do meu mundo inventado. Sem interrupções.
A felicidade morava do lado de dentro, facilitava a construção dos sonhos. E se algum pensamento ruim chegasse para ameaçar, sorvete de flocos consertava tudo. Espantava até o calor das noites de verão.
Às vezes minha redoma me levava para passear, adquiria forma de robô e caminhava leve pelos campos. Nas minhas fantasias, tudo levitava. Foi num desses passeios que ultrapassei meus limites, quis tornar o mundo imaginário tangível e pulei para fora da redoma. Então, o robô oxidou e eu fiquei presa do lado de fora. Hoje estou nua. Sobrevivo. Indefinidamente. Não tenho talento e nem vocação para o perigo, mas sou teimosa, e insisto.
Monique Burigo Marin
4 comentários on "Teimosia"
A suposta aspereza se derrete no sorvete de flocos
Crianças devem ser executadas a sangue frio. Por onde elas andam - espaço inagarrável - TUDO é perigo. Mate!
Não me importo que o tempo envelheça meu rosto e meu corpo, me deixe de cabelo branco e cheio das dores de ser velho, contanto que não envelheça o meu coração de criança. É a única coisa bonita que me resta.
Ainda que não para o perigo, talento e vocação você tem de sobra. Tanto tempo sem vir aqui só podia me prender nessa overdose de Monique e, como sempre, eu só consigo me maravilhar mais e mais. Parabéns!
"...onde os sentimentos não precisam de motivos nem os desejos de razão." (Pedro Bial, sobre a infância - roubo essas palavras para falar da fantasia que é ler-te).
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