CFA

por Monique Burigo Marin às 3:10 PM

   Antes de dormir, sei que tu estás sentado perto de mim, ouvindo o monólogo que acabei de inventar. Sinto o cheiro do café que está em tuas mãos e prevejo um borrão na palavra mais bonita do texto. A luz fraca do abajur lança tua sombra sobre mim e ela me aquece. Ah, como adoro as noites de inverno na tua companhia!
   Tu estás vivo em mim e tens juventude eterna. Não que eu não goste das rugas marcando tuas mãos habilidosas, é só que não te vejo preso nos limites do tempo. É que te quero livre e por perto. É que tenho medo de me empolgar demais e ler todas as páginas de uma só vez.
   Imagino teu riso modesto e teus olhos bondosos. Teu corpo coberto por roupas sutilmente amassadas, do tempo em que era moda usar a calça na altura do umbigo, por isso as tuas ficam onde bem entenderem. Mas, eu sei que o suspensório caído é displicência forjada, pois já te vi organizar até os cigarros. Nem você é perfeito.
   Ainda não estou preparada para conhecer tua verdadeira forma. Prefiro rir da tua mania de não querer o que é necessário. E te escrever como quem escreve para si. E endireitar teus óculos tortos e mandar as vírgulas passearem junto com as colocações pronominais. Prefiro sentir tua presença amenizar o meu medo de fechar os olhos. Só mais cinco minutinhos.

Monique Burigo Marin

9 comentários on "CFA"

Iguimarães on 25 de junho de 2011 às 20:22 disse...

Você tá muito sinistra,ein.
Nossa.
Eu te fiz bem!
O meu eterno egoísmo!
Seu blog é o único contato que tenho com você. Minha namorada costuma dizer: "por mais que você se esconda em mil palavras, QUERIDO, eu encontro você!"
parabéns!

Júh Sodi on 26 de junho de 2011 às 15:32 disse...

Senti algo como se fosse saudade de alguém que "já partiu dessa para melhor"...É isso mesmo que você quis passar?

Mateus Cordoba on 26 de junho de 2011 às 16:03 disse...

Muito bom mesmo! O texto remete nostalgia, como a Júh Sodi disse. Não sei se foi a pretenção, mas foi o compreendido. Sei inúmeras definições para a sigla CFA, mas entra em aplicação neste texto? Achei muitas definições condizentes com o tema da história.
Enfim, parabéns! Muito bem escritos seus textos. Se puder responder minhas dúvidas...

Fabi Anselmo on 27 de junho de 2011 às 09:01 disse...

Caio, né?

Dan Arsky Lombardi on 27 de junho de 2011 às 12:30 disse...

Fiquei completamente feliz com as suas palavras. Sinto que são verdadeiras e não um mero complemento a um comentário textual. Adicionado à essa felicidade foi este seu texto novo, pois havia dias que entrava aqui e não encontrava novas palavras, garanto que entrei quase todos os dias, esperando!
Eis que encontrei essa narrativa adocicada e como qualquer leitor disciplinado fiz a minha interpretação e absorção do cerne e vou guardá-la para mim.

Dan Arsky Lombardi on 27 de junho de 2011 às 12:38 disse...

Mateus, o CFA é referente ao escritor já falecido Caio Fernando Abreu.

Monique Burigo Marin on 27 de junho de 2011 às 13:35 disse...

Fabi e Dan têm razão, ainda que este Caio só exista para mim.
Dan, suas interpretações são valiosas, esteja à vontade para mostrá-las quando quiser.
Obrigada a todos pelos comentários!

Mateus Cordoba on 27 de junho de 2011 às 16:03 disse...

Obrigado por suas explicações, Dan. Desconheço este escritor, mesmo sendo adorador de livros, mas deve ser um ótimo "contador de histórias" para merecer um post magnífico como este, que acabo de reler. Usei a palavra "deve", no presente, pois acredito que Caio continua vivo por meio de suas obras e de obras alheias, como este post.

Obrigado.

Danilo on 5 de julho de 2011 às 01:31 disse...

você é muito gentil. e passeando por aqui percebi que seus elefantes nada pesam, o que é a melhor definição de poesia de encontrei.

 

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