Procura-se uma Estrada de Tijolos Amarelos

por Monique às 3:41 PM 5 comentários

Eu havia sonhado com bombas e mortes, com olhares se encontrando, com meias sujas e amor.
Foi logo após fechar os olhos que o garoto-estátua apareceu, sentado no meio dos escombros – perplexo. Um milésimo de distração, e ele desapareceu. No lugar dos escombros ergueu-se um lar risonho e solitário, com uma chaminé de tijolinhos que mais pareciam peças de um quebra-cabeça. No quintal: os duendes brincavam sem serem vistos.
Havia uma porta falsa na entrada da casa, estava ali só para disfarçar a anormalidade, qualquer um que tentasse abrí-la toparia com uma parede descascada do outro lado. Os moradores da casa entravam e saíam pelos fundos, como ladrões, como empregados, como filhos fujões. Eles gostavam do desgostoso e de frases no interrogativo.
Lá dentro, uma mulher ruiva de dedos longos e cabelos quebradiços dividia a cama com seus dois filhos adotivos, intercalando cabeça com pés. Cobertores? Eles tinham de sobra – adoravam sentir os dedos enregelados aquecerem-se embaixo deles.
Vez ou outra quando o céu estava cinzento, a mulher contava histórias para os filhos, eles flutuavam dez palmos acima do chão. No final, caiam com um baque surdo.
Quando chovia, saiam de casa para lavar a alma, pular em poças de água e correr de braços abertos. Lavavam, pulavam e corriam... até não aguentarem mais.
Em dias de sol, colocavam meias e pisavam na terra, faziam acampamentos no quintal com caixas de papelão, e só saiam lá de dentro na hora do crepúsculo para admirarem a mistura dos dias no céu.
Amavam uns aos outros como tudo o que tinham na vida – e realmente tinham apenas uns aos outros, mas isso bastava. Até o momento.
Em um dia de sol, o filho mais velho antecipou-se com sua caixa de papelão até o quintal. Foi então, que algo imprevisto aconteceu: um barulho ensurdecedor vindo de todas as direções atingiu o lar, destruiu a magia, e libertou a dor. A destruição chegou para uma visita, e quando foi embora deixou tudo em pedaços. O último suspiro para os que morriam, o desespero para o sobrevivente.
O garoto levantou cada peça do quebra-cabeça desfeito em busca de tudo o que tinha. Só encontrou fios alaranjados do cabelo da mãe, e a as meias sujas do irmão.
Sentado em cima dos escombros, ele era uma estátua, me olhando, suplicando o fim das interrogações que ele adorara um dia. Mas eu... não tinha as respostas.
Eu era uma intrusa sendo carregada pelo vento, igualzinho a Dorothy de O Mágico de Oz - percorrendo terras desconhecidas, sustentando olhares desconhecidos... amando o desconhecido. Procurando uma estrada de tijolos amarelos que trará a solução para tudo.


Monique.

L.E.R (Lesão por Esforço Repetitivo)

por Monique às 9:49 PM 4 comentários

Eu passei a noite inteira rolando na cama, olhando para o teto enfeitado de estrelinhas falsas e fluorescentes - contando-as. - Pensando em banalidades, pensando em parar de cometê-las, pensando em não falar mais sobre elas – é à noite, antes de dormir, que eu penso em tudo.
Lembrei das ovelhinhas e parei de contar as estrelas. Uma por uma elas saltavam cercas de madeira branca, e iam crescendo com o tempo, até completarem dois mil anos e ficarem grandes e pesados demais para o meu pensamento - era chegada a hora de esquecê-las.
Mas, ovelhinhas em ordem crescente me lembram infância - época em que eu calçava sapatos número quarenta e dois e encontrava felicidade escondida embaixo das palmilhas.
Sapatos e palmilhas me levam até à sapataria que fica na esquina da rua onde eu morava. Ela tem portões e uma garagem, uma porta de madeira, um chão de madeira, paredes de madeira, e atrás do balcão – de madeira - o sapateiro mais simpático e sorridente que eu já conheci exerce seu oficio. Ali estão à venda iridescentes cadarços de diversos tamanhos, suspensos por suportes que cheiram a cola e serragem – aliás, tudo ali tem esse cheiro.
Serragem me traz saudades e lembranças de um avô que não conheci - ele fabricava móveis – ele ficava zangado com buracos no queijo, acordava os filhos aos gritos e tinha passos pesados que ecoavam por toda a casa – mas ainda assim alcançava o mais alto patamar de carinhoso e brincalhão - fazia serenatas para minha avó e prendia dedos infantis em buracos de alicates.
Alicates me lembram martelos que eu usava para martelar pregos em um toco de árvore no quintal de casa. Casa me lembra abrigo, que me lembra conforto, que me lembra quarto, que me lembra cama, que me lembra sono.
E assim é feita a descoberta: não posso parar de banalizar, é um ciclo vicioso, e a cada novo recomeço mais banais as banalidades se tornam para você.

Monique.

...

por Monique às 1:05 AM 9 comentários

Tudo começou com mãos se tocando sem querer querendo, depois, um cafuné. Não que eu esteja surpresa, é sempre assim que o tudo começa e se expande dentro de mim. Mas, é claro que há os outros começos de que não me esqueço, nem menos importantes, nem mais surpreendentes.
E, há algo imutável. Um rosto insuportavelmente perfeito, aquele andar de quem não tem nada a perder, misturado ao quase-sorriso que se abre aos poucos e então reluz, sem cogitar a possibilidade de esquecer a profundeza do olhar daquele eterno garoto.
Ele tem a respiração mais suave que já ouvi, uma risada macia como veludo, pronuncia palavras que se tornam ecos, tem um bolso cheio de sonhos que chacoalham, e rugas de expressão invisíveis quando adormece. Eu queria dizer que amava vê-lo despertar, que era como vê-lo renascer - uma fênix azul, terrivelmente permanente.
Que droga de molduras eram aquelas nos olhos dele? Como se fosse necessário realçá-los ainda mais. Egoístas, como dois faróis de néon em uma noite escura. Como uma tempestade em uma tarde de verão.
Eu fico contornando aquele rosto até minhas mãos formigarem, até o sangue ter dificuldades para circular. Tentando decorá-lo para não esquecê-lo, tentando disfarçar que ainda não o sei de cor, de trás para frente, de ponta-cabeça, de olhos vendados. Sentindo a dor de vê-lo partir, sentindo o medo de que ele não retorne, sentindo o tudo se esvair... Derrotado.
Ele é um paradoxo cheio de cicatrizes, ligeiramente fora de alcance. Logo ali, dobrando a esquina, sua alma repousa em um banco solitário da pracinha, lendo livros com cara de lidos, com o coração pulsando na cabeça. Ele é uma farsa, uma ilusão de óptica, igualzinho a reticências seguidas de um ponto final.

Monique.


http://www.youtube.com/watch?v=8_kFK6d5p6o&feature=related

 

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