Achados e Perdidos

por Monique Burigo Marin às 9:35 PM 7 comentários
Pintura: Brian M. Viveros

   Naquele dia, o sol ardia como a ferida aberta em seus dedos finos – e era noite. Amanda se esquivava como podia, andava cambaleante pela rua. Os outros a julgavam, “mais uma perdida na vida”.  Não sabiam eles que foi a vida quem se perdeu.
   Emergiu de seus pensamentos ao sentir o frio inconfundível de construção vazia. Finalmente um lugar digno de sua presença. Finalmente um lugar onde repousar o maltratado esqueleto. Um lugar cinza e oco e frio, bem no coração da cidade. Ela conhecia, melhor que ninguém, esse tipo de construção. Seu próprio coração estava cheio dessas, quase completamente povoado por elas. Ali ela se sentiria em casa.
   Entrou, sem bater, pelo buraco sem porta. Olhou em volta sem muito interesse, pois estava muito cansada para se interessar por qualquer coisa. Sentou naquilo que parecia uma escada para o segundo andar, tombou os ombros e a cabeça para frente, olhou brevemente para as próprias mãos, onde lágrimas pingavam como chuva. Naquele dia, Amanda chorou cada gota aprisionada dentro das nuvens negras que carregava dentro de si.
   “Filho da puta”, murmurou ela, já conformada com a impossibilidade de esquecê-lo. “Eu sabia”. Não, ela não sabia. “Eu sempre soube”. Ela não sabia porra nenhuma. Xingar era apenas a sua maneira de dizer que sente muito. Sente muito sentir tanto.

   Naquele dia, o sol ardia como a lembrança dela – e era noite. Ele caminhava distraído, seus passos fingiam firmeza. A música vinda dos fones de ouvido modificava o mundo ao seu redor. Os outros o julgavam, “mais um perdido no mundo”. Não sabiam eles que foi o mundo quem se perdeu.
   Emergiu de seus pensamentos ao sentir o calor inconfundível do corpo dela. Deteve seus passos em frente ao vazio de uma construção. Mas não fazia sentido, o lugar era indigno da presença daquela mulher. Seguiu adiante. Perdeu o calor do corpo dela pelo caminho. Perderam-se.


Monique Burigo Marin
 

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