Cacos

por Monique Burigo Marin às 5:44 AM 4 comentários
  Você tirou a toalha da mesa antes dos pratos. Tudo está caindo em câmera lenta desde às três e quarenta e oito da manhã. De ontem.

Monique Burigo Marin

Monocromático

por Monique Burigo Marin às 4:08 PM 10 comentários
  Ilustração: Beatriz 

  Tenho mania de inverter a ordem das coisas e sei que o teu sorriso em branco e preto jamais voltará a ter as cores que eu enxerguei. Você é meu ciclo. Minha inércia. Minha agonia. Você é a parte de mim que ainda amo. E está em tudo.
  Você está nas rugas que surgem a cada dia e na profundidade das olheiras que emolduram meus olhos. Está no desenho abstrato que eu fiz na janela embaçada do carro e também na luz que vem na contramão. Está na primeira estrela que imaginei nascendo no céu da minha boca e no pedido que ela recebe. Principalmente no pedido.
  Você está nestas palavras que sussurro, de olhos fechados, no meio da madrugada. É que quero que você acorde, mas você está hibernando há quilômetros de distância e não há nada que eu possa fazer. Mesmo assim, deixo um bilhete para quando você acordar. Se você acordar para mim algum dia.
  Só não quero mais passar as noites procurando pelas tuas mãos embaixo do meu travesseiro. Não enquanto elas não estiverem lá. Não enquanto você não quiser que elas estejam. Não enquanto você ignorar o quanto eu quero.
   Mas não importa. Foge do meu controle. Já estou amando tuas novas cores.

Monique Burigo Marin

Hipoglicemia

por Monique Burigo Marin às 5:20 PM 7 comentários

  Eu fui quebrando as portas como se quebrasse medos. Mas no fim das contas, só estava quebrando os ossos. E me diziam para ficar calma, e me diziam para estender o braço, e me pediam para não chorar. Quando eu desse por mim estaria feito.
  Todos diziam que eu não sentiria, sem saber que era esse meu medo maior. Só fiquei tranquila quando vi aqueles olhos. Olhos negros, quem diria. Tão bondosos. Usando agulhas para espantar meus medos. Mas não importava o quão fundo entrassem em minha carne, novas portas cresciam mais fortes. Mais altas. Mais intransponíveis. E eu ia percebendo que estava atravessando sozinha por dentro dos meus medos, guiada por uma loira sem sal.
  Enquanto eu pensava, ressentida, na ilusão da beleza interior, aqueles olhos iam ficando distantes... Mas ainda vigiavam minha consciência. Tiravam minha roupa, monitoravam meus batimentos, diziam que os pesadelos não poderiam me perturbar. Então, quando as luzes pararam sobre o meu corpo, já não me importava.  Eu estava entregue à minha última torta de brigadeiro preto com morangos. Sentindo a glicose correndo pelas veias. Até não sentir mais.

Monique Burigo Marin

3 Anos!

por Monique Burigo Marin às 1:23 PM 1 comentários
Hoje o blog completa três anos, abandoná-lo não faz parte dos planos. Escrever me ajuda a construir quem quero ser. E se me desconstruo, desabo, não volto mais. Colocar nestas linhas, abrir aspas e parentes para quem quiser ler, expande meus horizontes. Muito obrigada, leitores! Digo e repito: sem vocês, nada seria tão doce.

Monique Burigo Marin

Cedo

por Monique Burigo Marin às 8:41 PM 4 comentários

Queria que você pudesse ver os lugares por aonde tenho andado. Tão cheios de cores. Tão cheios de sol. Tão diferentes de mim. Ainda.
Não vai demorar muito. Aprendi com as reticências a me deixar levar. Se tropeço em pés sem corpos é por pura distração. É que ainda estou tateando no escuro pela parte de você que me cabe. Mesmo depois da vírgula que dorme com a gente embaixo das cobertas.
Nesta vida, em que toda fantasia é metade, meus sonhos despertam comigo todas as manhãs. Desculpe-me se é cedo demais para os sonhadores.

Monique Burigo Marin

Colheita

por Monique Burigo Marin às 11:25 PM 3 comentários

  Ela tinha cabelo castanho curto e cacheado e estendeu a mão aberta para mim. Eu olhei sem entender o que dizia aquela pequena jujuba cor-de-rosa. Todos aguardavam ansiosos. Então eu cometi o maior erro da minha vida.
  Se agora a pele dos outros derrete e os olhos caem, a culpa é minha. Se crianças estão saltando da janela em direção à piscina de bolinhas, a culpa é minha. Se o riso que escuto é falso e não há água no mundo capaz de lavar o veneno em seus lábios, eu sei que o doce é assassino e está entrando mais rápido nos corações do que eu saio.
  Aqui o sangue é rosa e me faz escorregar pelas escadas enquanto tento grudar agulhas de costura no corrimão. Todos precisam de remendo. Todos menos eu. Eu corri o mais rápido que pude para fora do buraco na maçã, mas permaneci estática. Foi assim que entendi: a semente de todo o mal sou eu.

Monique Burigo Marin
 

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