Sonhos de Plátano

por Monique às 10:21 PM 11 comentários

“Para o resto de nossos dias”, foi o que sussurrei de olhos fechados e ainda embaixo das cobertas. Algo estava acontecendo, era estranho me imaginar daquele jeito, mesmo assim lá estava eu eufórica com um vestido longo e branco – ou talvez fosse azul claro e eu estivesse tentando enganar a mim mesma – haviam fitas de cetim azuis e brancas que enroscavam-se por todo o comprimento de meu cabelo. Nada de véu. Uma gargantilha de botões azuis e brancos alternadamente enfeitavam meu pescoço, os sapatos escondiam-se por debaixo de tão longo vestido, mas tenho quase certeza de que eram os mais confortáveis do mundo, pois sentia como se estivesse pisando nas nuvens, como se fosse tão leve que elas pudessem suportar meu peso facilmente sem perder suas belas formas.
Olhando ao meu redor eu pude perceber, era outono. Muitas árvores cercavam o lugar, seus galhos eram todos retorcidos e sem folhas, todos exceto um, que parecia revoltar-se contra sua própria natureza, e possuía uma única folha (de plátano) que permanecia insistente e frágil no seu topo. Olhei em frente e lá estava o caminho mais curto para a minha felicidade, nele haviam bolinhas de gude por toda sua extensão iluminando a passagem, eram roxas, azuis, e transparentes. Brilhavam muito.
Eu estava em pé, segurando um buquê de rosas azuis – talvez você nunca entenda o porquê de serem tão azuis assim - com as pernas bambas só de pensar quantos olhares estariam voltados em minha direção no momento em que a música começasse a tocar. E se eu caísse? E se meu vestido rasgasse? E se eu me engasgasse com a saliva e não conseguisse falar?
Formando um triângulo haviam hastes de madeira enfeitadas por espirais de orquídeas. Nas cadeiras, seda branca e pálida. Por todo o chão grama verde. O vento brincava com as folhas cinzas caídas elegantemente no verde macio, logo ao lado havia um riacho que corria lento e em sentido anti-horário, talvez houvesse perdido algo no caminho e desejasse voltar.
Ao som da primeira nota, o meu primeiro passo solitário e irrepreensível rumo a algum lugar que só eu sabia onde ficava. Estava sorrindo de um jeito que nunca havia sorrido antes, o óbvio ululante de felicidade que eu deixava transparecer na minha respiração não me incomodava, nem um pouco.
Outro passo, e outro, e mais outro, até aqui tudo bem. Segui em frente, e em poucos segundos lá estava eu, em frente ao altar, onde alguém dizia alguma coisa pausadamente, mas eu não estava prestando atenção. Escutei meu nome, e respondi apenas “eu aceito”, era uma parte da minha verdade que eu estava entregando para você, quem era você? Eu não sei. Talvez eu nunca descubra, já que nesse instante um raio vindo do céu atingiu o chão desordenado, um abismo se abriu lentamente a minha frente, caí dentro dele. Sim, eu caí. E continuava caindo sem parar e agora nem mesmo eu sabia onde iria chegar, o escuro e o medo desmancharam meu vestido branco – talvez azul – desfazendo o final encantador onde as pessoas estariam soprando bolhas de sabão em minha direção, e em direção a aquele que estaria segurando minha mão rumo a eternidade, só para escutar o “ploft” que fazem os sonhos condensados desmanchando-se no ar. Estava agora em uma cama estranha com uma camisola nem azul, nem branca, vermelho sangue mesmo.
Sentei desesperada, eu precisava voltar ao sonho e ver o seu rosto, te ouvir responder “eu aceito”, te dar um beijo e acordar feliz. Deitei outra vez, fechei os olhos, tentei voltar pro mesmo sonho. Fracassei, desisti. Abandonei meus sonhos interrompidos, talvez eu fosse prisioneira deles, e você tivesse ficado preso por lá também, acordei para o mundo real.
Segui até o jardim, e olhando ao meu redor eu pude perceber, era outono. Muitas árvores cercavam o lugar, seus galhos eram todos retorcidos e sem folhas, todos exceto um, que parecia revoltar-se contra sua própria natureza, e possuía uma única folha (de plátano) que permanecia insistente e frágil no seu topo, o vento soprou forte, a folha caiu em cima da minha cabeça, o vento soprou outra vez, ouvi sua voz dizer quase em um sussurro “eu aceito”.

Monique.

Janelas do Mundo

por Monique às 1:11 AM 2 comentários


O relógio marcava 16h – o momento do dia que mais me agrada. Abri as janelas do quarto, sentei-me na cama, apanhei a caneta e o papel que se encontravam ao alcance das mãos. As idéias borbulhavam em minha cabeça, como lava de vulcão inativo durante anos prestes a entrar em erupção: eu queria escrever. Fiz um risco no papel, havia um bloqueio deveras grande em minha mente que impedia qualquer idéia de manifestar-se: eu não entendia.
Havia o vento, a luz solar, o toque macio do cobertor em minhas pernas. Havia também os meus pôsteres favoritos colados na parede, meu violão apoiado na cama, os livros sobre a cômoda, meu som favorito tocando ao fundo, mas faltava alguma coisa – pausa para outro risco no papel . Eu não entendia.
Soltei o que tinha em mãos e caminhei em direção à janela, coloquei a cabeça para fora e observei cada detalhe até onde meus olhos fossem capazes de alcançar. Mas aquilo era pouco, muito pouco para a curiosidade infindável de meus olhos vagos. Eu queria ver mais. Queria descobrir o que se escondia atrás da montanha tão verde, das nuvens tão brancas, do asfalto tão negro, dos olhares tão cinzas e sorrisos tão amarelados. Poderiam sorrisos enferrujar feito prego que pregou o dedo de alguém e deu-lhe de brinde o tétano? Acho que não, talvez tenham apenas envelhecido feito papel antigo.
Desviei o olhar da multidão que caminhava apressada, temia por eles que pudessem tropeçar nos próprios pés. Meu olhar penetrou a montanha verde e aos poucos foi notando que não era tão verde assim. Havia um pouco de marrom, provavelmente barro de área desmatada pelos mesmos sorrisos enferrujados e envelhecidos, olhares mortos e passos tortos. A humanidade era mesmo repulsiva.
Notei no topo da montanha um pouco de rosa, inibido por tanto verde, eram flores inusitadas, embora longínquas e, portanto pouco vistosas, tornavam-se belas por serem únicas e contraditórias.
Fixei meu olhar nas nuvens brancas, suas formas aguçavam minha curiosidade, nelas eu podia ver não apenas o que meu olhar permitia, mas tudo o que minha imaginação queria. E ela queria mais do que cabia no mundo imaginário. Por isso, pela janela transbordavam pipas, balões e elefantes murchos de tão apertados pelas janelas do mundo.
Quando percebi havia pulado da janela do meu apartamento. Não fosse por um hipopótamo de nuvem branca estaria agora espatifada no asfalta negro. Um hipopótamo de nuvem branca voador que voava cada vez mais alto. Roubei um pedaço de seu imenso dorso e enfiei na boca, cuspi, eca! Não tinha gosto de algodão doce, nem de jujubas azuis como meu eu infantil imaginava. Tinha gosto de lágrima, um pouco salgado, talvez amargo, mas nem de longe doce.


Monique Burigo Marin
 

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